Luciano Correia: Mercado de TV em Sergipe, 40 anos depois
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Joanne Mota on Fev 22, 2013 in Entrevista
No momento em que o Mercado Sergipano de Televisão Aberta
completa 40 anos verificamos uma televisão pouco diversa e plural, sobretudo no
que se refere ao seu conteúdo local. A TV Sergipe, afiliada da Rede Globo no
Estado, compõe este mercado e é sobre sua atuação, nestes 40 anos, que o
professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e pesquisador da área,
falará em entrevista exclusiva ao portal Eptic Online. Acompanhe a entrevista:
Joanne Mota – A TV em Sergipe nasceu bem diferente da demais
emissoras do país, nasceu com participação popular e com significativa produção
local, porém, logo depois isso muda. Quais fatores influenciaram para tal
mudança?
Luciano Correia - Nós temos vários pontos de discussão aí.
Primeiro, há um momento inicial na história da televisão em Sergipe, antes de
se filiar a TV Tupi, em que não se falava em transmissão em rede, mesmo com as
tentativas através do videoteipe, e a própria ideia de rede estava sendo
construída pelo mercado. Além do que não havia o sistema de network. E quem abriu caminho para este sistema no
Brasil e consolidou uma rede importante foi a TV Tupi, a primeira rede a qual a
TV Sergipe (TVSE) foi afiliada. Mas é importante destacar que antes de se
integrar a Rede Tupi de televisão, a TVSE era uma emissora local e
independente, e como tal não teria que obedecer a uma lógica como acontece
hoje. E é interessante dizer que naquele momento a programação da TVSE era
composta por programas locais, tais como: programas de auditório, entrevistas,
programas de calouros, de debates. Porém, já naquela momento os chamados
enlatados também ocupavam espaço na programação da TVSE, o que demosntra o
poder que as grandes televisões possuiam.
JM - Então a
cabeça-de-rede tem influência nesse processo?
LC - Mesmo depois de se inserir em uma rede, a TVSE ainda
conseguia inserir programação local. No entanto, em um momento posterior, já
como afiliada a Rede Globo, a qual sempre assumiu uma relação muito despótica
com suas afiliadas, a TVSE teve seu espaço de transmissão estreitado, ou seja,
uma brusca redução do conteúdo local frente ao nacional. No caso dos
telejornais, em minha primeira passagem pela TVSE como editor, em 1986, o
chamado break para segunda edição do jornal da noite era e torno de 8 minutos,
esse era o tempo liberado pela Globo para dizermos o que aconteceu de
importante em todo o Estado, no jornal do meio-dia variava de 14 minutos a 22
minutos, dependeria do período, mas no máximo tínhamos 22 minutos. Se formos
fazer um paralelo com a afiliada do Rio Grande do Sul, a TV RBS, por exemplo,
veremos que ela goza de um maior espaço da Rede. PAra termos uma ideia, aos
domingos a noite [horário nobre da Globo] ela possui um programa chamado Tele
Domingo, uma revista local. E aqui em Sergipe nós não possuímos nada disso.
JM – Na metada da década de 1970 a TV Sergipe foi vendida
para a TV Aratu, emissora da Bahia, com a justificativa de que a emissora não
possuia os recursos suficuentes para atender as exigências da Globo. Logo
depois ele foi comprada pelos Franco, que antes da venda para o grupo Aratu, já
possuíam ações da TVSE. Isso foi uma jogada, afinal como sociedade anônima a
TVSE possuia vários donos inclusive da sociedade civil?
LC - Pode ser. Mas teríamos que analisar o modelo de negócio
naquela época, pois a Rede se sustenta pelo modelo de negócio que ela propõe.
Mas eu iria além de sua pergunta. Como a sociedade sergipana, considerando
sociedade como o conjunto de forças da classe política, mercado publicitário,
jornalistas e todos aqueles que seriam beneficiados com a transmissão do
conteúdo local, permitiram que “estrangeiros” viessem comprar a nossa TVSE. E
por que eu lanço esta questão? Porque a TV em Sergipe foi fruto de uma campanha
longa, a TV foi considerada na época como prova da modernidade, do avanço, da
inovação, uma ferramenta que plugaria a sociedade sergipana ao futuro, e quando
chegou aqui foi comemorada desta forma. Tanto foi, que o momento inicial da
fundação da TVSE traz muito do cooperativismo, do sentimento coletivo, do
desejo de ter um canal local. Daí ela ter se configurado inicialmente como uma
S/A. Então, a pergunta é: Por que permitimos que essa emissora fosse vendida?
Talvez porque, do ponto de vista de nosso mercado, da mensuração dele, ela não
atendeu ao modelo de negócio que a sociedade esperava.
JM – Como podemos explicar a interferência da Rede nas
grades locais?
LC - Quando a gente fala priorizar o conteúdo local, e,
considerando que esse grupo [Família Franco] que assumiu a TVSE, era um grupo
político, com interesses políticos, e considerando que esse grupo como todos os
grupos políticos e econômicos do Estado, tinham ramificações no grande aparelho
midiático que prevalecia até então, que era o Rádio, no momento que a televisão
se inventa eles vão transferir essas lógicas para a televisão. Portanto, as
inserções locais dentro da Rede, embora usando apenas os espaços previstos pela
Globo, o aproveitamento e produção de conteúdo local, mesmo que não a contento,
se deu e se dá, e mesmo sem nunca ter pressionado a cabeça-de-rede por mais
espaço. Além disso, um outro porblema é que esse parco espaço cedido pela
cabeça-de-rede foi entendido como transferência dos usos políticos,
partidários, ideológicos, comerciais, etc. Claro que hoje esses processos são
mais complicados, mas sofisticados, porque a própria Rede está aqui nomeando
seus diretores e garantindo o padrão. Eu, por exemplo, estive em dois momentos
trabalhando na TVSE, e no segundo momento eu trabalhei sob intervenção da Rede
Globo, fato que nem a Globo e nem a TVSE assumiram na época, e nem assumirão
hoje. Isso gerou uma especulação de que o sinal da Rede Globo poderia passar
para a TV Jornal, que era dirigida pelo grupo político de João Alves Filho.
Para evitar essa mudança, a Rede Globo enviou para Sergipe um interventor de
São Paulo, Ivan Renato Rodrigues, que demitiu profissionais, substituiu gente e
tentou impôr o padrão Globo. Esse momento foi resumido como uma faxina ética no
interior do jornalismo da TVSE.
JM – No que se refere a essa cobertura enviesada da TVSE, já
houve punição legal ou somente a TV sofreu sanções da Rede Globo?
LC - Bom, no final dos anos 1990 ou início de 2000, não
lembro bem, quando era dirigida pelo jornalista André Barros, ela foi punida
pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) com uma suspenção do seu sinal por 24
horas, justamente por esse tipo de cobertura política, partidária e ideológica.
E ficar 24 horas fora do ar foi uma punição muito grande para a Rede Globo, de
alto prejuízo. Sobretudo por que a Rede Globo vivia para construir a
fidelização do seu sinal por parte das audiências.
JM – Em sua opinião, mesmo com toda tecnologia atual e toda
essa intervenção da Rede Globo, o que mudou no jornalismo da TVSE produzido na
década de 1980 para o que é produzido hoje?
LC -Mercado de la televisión en Sergipe, 40 años después
Levando em consideração o viés empresarial e o atravessamento das lógicas
econômicas que contamina o processo de produção que todas as afiliadas sofrem,
e que fazem parte do modelo de negócio das suas cabeças-de-rede, a produção
hoje é deficiente. Fazendo uma avaliação um pouco diferente, passando um
scanner da Economia Política da Comunicação na produção de hoje e fazendo uma
comparação com outras afiliadas da Rede Globo, a RBS, por exemplo, eu
identifico que esta reproduz e retransmite, localmente, o padrão Globo, e a
prova disso é que a RBS já foi produtora de formatos transmitidos pela Globo,
tais como a Casa das Sete Mulheres. Já no caso da TVSE não podemos observar a
mesma coisa, pois ela não reproduz o padrão Globo de qualidade. Ou seja, não
observamos esse padrão em seus telejornais, na forma como editam suas matérias,
na definição de suas pautas, na forma de apresentar, enfim, nas suas rotinas
jornalísticas ela não reproduz. E especificamente o Bom dia Sergipe então ela
contradiz o tempo inteiro, pois a precariedade da produção, da apresentação,
das entrevistas, da definição das pautas, do acionamento da esfera pública
reflete bem esta realidade. E isso a meu ver é um problema de gerenciamento, e
a TVSE não está observando este problema, na medida em que emprega
profissionais que não estão qualificando seu produto. Por exemplo, quando
olhamos a TV Gazeta de Alagoas, ou a TV Bahia, seus produtos parecem mais acabados
do que os produzidos pela TVSE, e digo isso porque vejo parte de programas
produzidos por esses canais na Globo News.
Luciano Correia dos Santos é jornalista, diretor-presidente
da Fundação Aperipê de Sergipe, professor da Universidade Federal de Sergipe e
doutorando em Ciências da Comunicação na Unisinos.
Foto e texto reproduzidos do site: eptic.com.br
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