Tarcísio Meira e Glória Menezes em '2-5499 Ocupado'.
Foto: divulgação.
Foto: divulgação.
A Festa da Velha Senhora.
Por iG São Paulo , Gabriel Priolli, especial para o iG |
18/09/2013.
A televisão brasileira chega aos 63 anos com a saúde
abalada, o corpo flácido e o rosto abatido
Esta senhora que aniversaria hoje, a televisão brasileira,
chega aos 63 anos com a saúde abalada, o corpo já flácido e o rosto abatido.
Está longe de sua infância irrequieta na década de 50, sua juventude intensa
nos anos 60 e seu esplendor balzaquiano, nos 70. Já não vive mais a maturidade
abastada do período posterior. Mas ainda está viva e tudo indica que terá
longevidade, por um tempo ainda imponderável, o que é uma proeza nessa era de
explosão de mídias, volatilidade das tecnologias e mutação acelerada do
ambiente informativo.
Muita coisa mudou em seis décadas de televisão no Brasil,
mas sobretudo o poder de sedução do veículo. Ele demorou para se popularizar de
fato, em razão do alto custo dos aparelhos e das dificuldades de crédito aos
consumidores. Levou quase 20 anos para atingir as favelas, as periferias e as
comunidades do interior, mas foi sempre um sonho de consumo para qualquer
despossuído e um sinal de status para quem conseguia adquirir seu aparelho.
Vide ainda agora as telas planas de LED, “Full HD”, com mais de 40 polegadas.
Os primeiríssimos telespectadores eram paparicados pelos
“televizinhos” e tinham de fazer espaço na sala para acomodá-los. Assistir TV,
por muito tempo, foi uma experiência coletiva, familiar e de vizinhança. Só dos
anos 80 em diante é que a televisão se universalizou nos lares e multiplicou-se
neles, deixando a sala de estar para ganhar espaço no quarto do casal e de cada
filho. Virou consumo quase solitário.
A programação evoluiu do “gosto de rico” ao sabor popular
mais rapidamente. Se nos primeiros anos a TV oferecia ópera, música de
concerto, teatro clássico e de vanguarda, junto com shows de auditório,
programas de humor e noticiários herdados do rádio (“Esta é Sua Vida”, “Buzina
do Chacrinha”, “A Praça é Nossa”, “Repórter Esso”, etc), já na segunda década
deixou os produtos cult de lado e enveredou firmemente pela telenovela.
Desde 1963, com a estréia de “2-5499 Ocupado”, com Glória
Menezes e Tarcísio Meira, na TV Excelsior, a novela diária é o produto mais
importante da nossa TV. Exibida em várias faixas horárias, ao longo de toda a
semana, ela estrutura a grade de programação. Captura e fideliza o
telespectador de uma forma que nenhum outro gênero televisivo consegue – salvo,
talvez, o “Big Brother Brasil”, que não deixa de ser também um melodrama
diário. Mesmo as emissoras que não produzem novelas organizam a sua grade em
função das concorrentes – portanto, também se pautam pela rainha da nossa
teledramaturgia.
Sucessivas mudanças políticas, estéticas e tecnológicas não
abalaram esse protagonismo da telenovela, na TV do Brasil. Ela avançou a tal
ponto que fez do nosso país uma referência mundial na modalidade, o melhor
produtor do gênero, mais bem sucedido – artística e comercialmente – que
mexicanos, argentinos e venezuelanos, nossos concorrentes diretos. Toda hora
tentam passar o atestado de óbito da telenovela, mas de repente surge uma
“Avenida Brasil” e o país inteiro fica de olho grudado nela.
De qualquer forma, o peso da telenovela e de toda a
programação da TV é bem outro, nesta segunda década do século 21, em relação ao
que teve na segunda metade do século 20. Uma emissora como a Globo, que detinha
mais de 50% de audiência em todos os programas, pena hoje para atingir 20%, em
muitos horários. Vai longe o dia do encerramento de uma novela como “O Astro”,
que foi assistida em inacreditáveis 99% dos televisores ligados. Produções
atuais, quando se mantêm em torno de 35%, já são consideradas grandes sucessos.
Isso na emissora-líder, bem entendido, porque nas menores esses índices quase
sempre foram apenas sonho.
A sangria de público tem várias explicações, que começaram
no lançamento do videocassette doméstico, em 1982, e prosseguiram com outras
traquitanas que fazem o público esquecer da TV sem abandonar a tela: os
videogames, os computadores pessoais, os celulares e os tablets. Em todos esses
dispositivos, há muito mais imagem disponível e acessível do que pode oferecer
uma estação de TV, com suas “míseras” 168 horas de programação semanal, ou 24
horas/dia, sete dias por semana.
Mas o problema da televisão não vem propriamente da oferta
de conteúdo, que é imenso, consideradas as centenas de canais disponíveis, de
sinal aberto ou na TV por assinatura. A sua grande limitação – e agonia atual –
é que a programação é linear, isto é, sucede-se ordenadamente, hora após hora,
dia após dia, obrigando o espectador a esperar o programa passar para poder
assistí-lo.
Já na internet, qualquer hora é hora de assistir qualquer
coisa. Basta encontrar o programa desejado e baixar, ou simplesmente rodar
direto no site onde está. O público é o seu próprio programador de TV. Dispensa
canais.
Esta é a “enfermidade” de que padece a nossa provecta
senhora, agora aos 63 anos. Seu organismo é atacado por vírus impiedosos,
chamados YouTube, Vimeo, Now, Netflix, TViG . Sua mais poderosa vitamina – as
receitas publicitárias polpudas – vai perdendo eficácia ano a ano, porque migra
para outras mídias e míngua no seu caixa. Sua voz altissonante, capaz de ditar
modas e preferências, e de dirigir os rumos da República, agora é ouvida por
muito menos gente e influi cada vez menos.
É difícil prever se a TV brasileira persistirá no cenário
midiático como sucedeu com o rádio, que deixou o topo do pódio da indústria da
comunicação nos anos 50 para sobreviver mal e mal nos automóveis. Talvez o seu
futuro seja o da fragmentação, o de muitas emissoras atendendo a segmentos e
interesses específicos do público, sem mais repetir-se a era dourada das
enormes audiências.
Mas a Seleção Brasileira sempre pode chegar a uma final de
Copa do Mundo e uns terroristas malucos podem jogar aviões em torres cheias de
gente. Aí todo mundo vai correr mesmo é para a frente de um televisor. Velha ou
não, alquebrada ou não, a nossa TV estará lá, cumprindo o seu dever de dar o
testemunho do presente e de fazer companhia diária, ininterrupta, a quase 100%
dos brasileiros.
Gabriel Priolli é jornalista e produtor de televisão.
Começou a assistir TV com um ano de idade e escreve sobre ela há mais de três
décadas. Ainda não se cansou de curtir nem de refletir sobre essa mídia, que
foi a mais importante na maior parte de sua vida. Mas hoje, confessa, gasta
mais tempo na internet.
Foto e texto reproduzidos do site: ultimosegundo.ig.com.br/cultura
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